"Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível, que lhe deres:

'Trouxeste a chave?'"

Carlos Drummond de Andrade

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Sobre o fim

Tudo o que me restou dos últimos três anos foram migalhas, restos de naufrágio, cacos esparsos, remendos e ausências. No fim restaram o vazio, o silêncio e a lembrança, e são esses três os companheiros constantes de minha solidão. O vazio vem para me lembrar do que foi perdido, e chega, como sempre, sem anúncio. Começa com uma melancolia, uma angústia, um sentimento de não pertencer. Como a dor fantasma causada quando um membro muito importante é arrancado do corpo sem aviso. Quando o vazio vem, ele me leva embora, e eu me perco nesse abandono. Depois vem o silêncio, preenchendo o espaço deixado pelo vazio com todas as palavras que quiseram sair da minha boca, mas ficaram presas entre angústias e incertezas. Meu silêncio também me corrói, chega num rompante, anunciado pelo barulho ensurdecedor de todas as coisas não ditas e que eu queria, deveria dizer (e direi?). O silêncio vem dos gritos sufocados, e às vezes sinto como se me afogasse no meio de tantas, tantas palavras e instantes que poderiam ter sido. É que o silêncio vem sempre acompanhado do "e se...". Por fim, chega a lembrança, e, dos três, ela é a mais terrível e deliciosa, a que causa mais dor. A lembrança vêm sempre num fim de tarde, ou à noitinha, como uma criança que passou o dia fora de casa e volta correndo, sorrindo, pés sujos de lama e cabelos desgrenhados, pronta para dormir em mim. A lembrança vem me atormentar não com o que poderia ter sido, mas com o que foi. Fosse ela apenas amarga ou dolorosa, eu poderia facilmente mandá-la embora, tão logo me cansasse de sua presença. Mas a lembrança, ai de mim, vem doce e faceira, trazendo fragmentos de uma vida que vivi, momentos em que fui feliz, e amei. Esse é o truque que torna o abandono insuportável: por mais sofrido que seja lembrar daquilo que se perdeu, como deixar partir essa coisinha alada e colorida que embalou meus sonhos durante tantas noites para agora embalar meus pesadelos?
Mas eu me remendo, me reinvento... Não sou de inventar pílula de esquecer: tudo o que eu vivi me pertence, para o bem ou para o mal, e eu clamo minhas todas as alegrias e aflições que me fizeram ser quem sou. Mas, logo que eu aprenda como viver com as ausências, hei de entender o que preciso fazer para ser capaz de, enfim, dizer em voz alta e com convicção que é o fim. E deixar partir. E seguir.

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