"Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível, que lhe deres:

'Trouxeste a chave?'"

Carlos Drummond de Andrade

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

A lição da Equilibrista (ou "Sobre vôos e quedas")

O que dizer da lição que nos ensina a equilibrista, que anda na corda bamba da vida porque sabe que viver é pendurar-se sobre o abismo?

Viver é correr riscos! Equilibrista que se preze despreza a rede de segurança, e, na corda bamba da vida, se balança. Cai? Sim! Se machuca? Sempre! Mas equilibrista não se importa, cai e se levanta com a mesma graça (como se tivesse asas!) porque aprendeu que o segredo para saber voar é saber cair, se despedaçar, e, ainda assim, prosseguir!

Decifra-me (ou te devoro)

Não sou tão simples a ponto de ser desvendada,
sou criptograma, sou mistério, charada.
Quando você acha que me decifrou,
eu surpreendo: mudo, reinvento, me refaço.
Me desfaço, também, e me reconstruo.
Minhas plantas não são legíveis,
e é difícil compreender minha engenharia.
Você não conhece meus mecanismos,
e não consegue ler nas minhas entrelinhas.

Sobre palhaços (e a difícil arte de fazer rir)

Ser palhaço não foi tanto uma escolha, foi quase uma imposição. Posição imposta pela vida, que me obrigou a mostrar sempre meu melhor sorriso, mesmo quando por dentro sou só pedaços… Palhaço se despedaça? Sim, senhor! Palhaço sente dor? Pois sim, meu amor! Palhaço sofre com um sorriso no rosto, e de tanto sorrir, sofre menos. Pois ser palhaço é profissão de risco: corre-se o risco de esquecer suas angústias, de tanto fingir que não as tem. Ser palhaço é ofício sério: o palhaço carrega nos ombros a grave missão de fazer feliz, mesmo quando sua própria alegria está por um triz… Ser palhaço é ofício difícil: dia sim, dia também, o palhaço vive para mostrar ao mundo que riso é remédio, que alegria é profilaxia, que amor cura… Amor dura? O palhaço não sabe. O palhaço só tem uma certeza: quem vive para fazer rir, vive mais… Mais dor, mais tristeza, mais alegria, mais beleza… Afinal, palhaço é feito de contradição… e, por isso mesmo, palhaço não morre: quando muito, adormece, se aconchega e se aninha no nosso coração.

Sobre o fim

Tudo o que me restou dos últimos três anos foram migalhas, restos de naufrágio, cacos esparsos, remendos e ausências. No fim restaram o vazio, o silêncio e a lembrança, e são esses três os companheiros constantes de minha solidão. O vazio vem para me lembrar do que foi perdido, e chega, como sempre, sem anúncio. Começa com uma melancolia, uma angústia, um sentimento de não pertencer. Como a dor fantasma causada quando um membro muito importante é arrancado do corpo sem aviso. Quando o vazio vem, ele me leva embora, e eu me perco nesse abandono. Depois vem o silêncio, preenchendo o espaço deixado pelo vazio com todas as palavras que quiseram sair da minha boca, mas ficaram presas entre angústias e incertezas. Meu silêncio também me corrói, chega num rompante, anunciado pelo barulho ensurdecedor de todas as coisas não ditas e que eu queria, deveria dizer (e direi?). O silêncio vem dos gritos sufocados, e às vezes sinto como se me afogasse no meio de tantas, tantas palavras e instantes que poderiam ter sido. É que o silêncio vem sempre acompanhado do "e se...". Por fim, chega a lembrança, e, dos três, ela é a mais terrível e deliciosa, a que causa mais dor. A lembrança vêm sempre num fim de tarde, ou à noitinha, como uma criança que passou o dia fora de casa e volta correndo, sorrindo, pés sujos de lama e cabelos desgrenhados, pronta para dormir em mim. A lembrança vem me atormentar não com o que poderia ter sido, mas com o que foi. Fosse ela apenas amarga ou dolorosa, eu poderia facilmente mandá-la embora, tão logo me cansasse de sua presença. Mas a lembrança, ai de mim, vem doce e faceira, trazendo fragmentos de uma vida que vivi, momentos em que fui feliz, e amei. Esse é o truque que torna o abandono insuportável: por mais sofrido que seja lembrar daquilo que se perdeu, como deixar partir essa coisinha alada e colorida que embalou meus sonhos durante tantas noites para agora embalar meus pesadelos?
Mas eu me remendo, me reinvento... Não sou de inventar pílula de esquecer: tudo o que eu vivi me pertence, para o bem ou para o mal, e eu clamo minhas todas as alegrias e aflições que me fizeram ser quem sou. Mas, logo que eu aprenda como viver com as ausências, hei de entender o que preciso fazer para ser capaz de, enfim, dizer em voz alta e com convicção que é o fim. E deixar partir. E seguir.