"Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível, que lhe deres:

'Trouxeste a chave?'"

Carlos Drummond de Andrade

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Sobre os sonhos

Nesses dias de muito trabalho e extremo cansaço, mais do que dormir, eu preciso sonhar. Sonhar que a vida não é tão difícil, que tudo vai dar certo. Sonhar em viajar, malas prontas e destino incerto. Sonhar que amanhã vai ter sol, que a cura do câncer vai ser descoberta e que eu vou ser mãe de dois meninos. Sonhar por sonhar. Sobretudo, sonho em amar, e em ser amada. Há quem diga que todas as noites são de sonhos... Talvez só as de verão. De minha parte eu sei que, no verão de minha mente, sempre há espaço para as noites de sonho.

Sobre a Vertigem

Mais de uma vez, no passado, eu fui muito amada por alguém. E mais de uma vez eu não pude corresponder a esse amor. Depois, chegou a minha vez de amar muito alguém que não me amava, e eu senti no meu coração o martírio antes infligido a outros. Mas, por mais difícil e doloroso que tenha sido, por mais cruel que tenha sido a paixão, a loucura, o desejo, a vertigem e, o pior, a queda, ainda assim vale a pena sentir. Mesmo que o amor seja uma delícia dolorosa, ou uma dor deliciosa.

Sobre Maria Antônia

No dia 27 de março de 2010 escrevi:

SOBRE ESPERAR 
Nasceu Maria Antônia, e eu me confesso ainda extasiada demais para falar sobre isso... 

No dia seguinte, 28 de março de 2010...

SOBRE A VIDA 
Maria Antônia é linda. Não vou dizer que ela parece um anjo, pois não sei como são os anjos, mas se o céu é mesmo tão sublime Maria Antônia deve ser um pedacinho dele. Ontem segurei-a no colo, deitei a cabecinha dela no meu peito. Ela parecia ainda desacostumada de viver, respirava com certa dificuldade... Não sei se ela estava tão nervosa quanto eu, mas tentei acalmá-la o quanto pude. Coloquei em ordem os meus pensamentos, tentei desacelerar meu coração inquieto, tarefa difícil quando se está tão inebriada de vida. Eu ria por dentro segurando aquele pedacinho de coisa viva e pulsante. Era como segurar nas mãos um coração... Durante meses, a ideia de Maria Antônia cresceu dentro de mim, como se fosse um filho. Eu a gerava aqui dentro, dentro da minha alma. Assim, o nascimento de Maria parece ser um resgate de meu eu muito sublime, que eu nem sabia que existia...

terça-feira, 29 de março de 2011

Não quero o silêncio!

Há algum tempo meu pai, escritor e poeta por vocação, mas não por profissão, escreveu um poema intitulado “Ao silêncio”, do qual destaco os seguintes versos:


“Não quero o silêncio culto e tácito

das bocas caladas pelo medo;

(...)

Não quero o silêncio assim imposto

como um tapa que arde no meu rosto!

(...)

Não quero a minha voz presa no peito

enquanto o mundo grita ao meu redor!

Eu quero decidir; é meu direito

e não lutar por ele é omissão!

(...)


Ontem, durante um quadro no programa CQC o deputado Jair Bolsonaro fez declarações de cunho homofóbico e racista, algumas das quais dirigidas à cantora Preta Gil, negra, mulher, e defensora dos direitos dos homossexuais. Não vi o quadro no momento, pois não acompanho o programa. Porém, devido à ampla reação dos internautas contra as declarações do deputado, assisti hoje ao vídeo disponibilizado na internet (que já teve milhares de acessos). O que posso dizer é que me senti ofendida, enojada e indignada pelo que só posso chamar de uma falta de respeito, moral, decoro e cidadania. Sou afro-descendente, filha de mãe negra, e como tal me senti pessoalmente ultrajada pelas declarações racistas de Bolsonaro. Como e porque um negro e cotista não teria condições de pilotar um avião, ou realizar uma cirurgia, senhor Bolsonaro? Acaso a cor da pele, característica definida por uma meia dúzia de genes, pode qualificar ou desqualificar uma pessoa para exercer qualquer tipo de atividade? Sinto-me ofendida pessoalmente, em nome de minha mãe, negra, de meus avós, negros, em nome de minha família, todos negros! Sinto-me ofendida em nome dos meus antepassados, que sofreram as agruras da escravidão, que sentiram o peso do chicote estalando em suas costas apenas por serem negros, e que depois de livres tiveram que amargar séculos de pobreza e desigualdade. Senti-me ofendida em meu sangue, e em minha alma! Senti-me ofendida pelas declarações homofóbicas, pelo desprezo demonstrado pelo senhor, deputado, pelos homossexuais. Não sou homossexual, mas sou humana! E como ser humano, luto pela causa de um mundo sem preconceitos, sem juízos de valor, onde as pessoas se sintam iguais e livres. Em nome da causa da igualdade entre os homens, me sinto ofendida pela falta de respeito e decência demonstrada pelo deputado, ao promover publicamente o ódio aos homossexuais, e o desrespeito aos negros, quando, como figura política, deveria representar o povo como um todo! Sinto-me ofendida como afro-descendente, como militante pelos direitos dos homossexuais e principalmente como ser humano! As palavras de Bolsonaro vieram carregadas de racismo, homofobia, desrespeito e ódio. É lamentável pensar que depois de tantos séculos de preconceito, de perseguição, de injustiça e segregação, tenhamos caminhado tão pouco! É lamentável pensar que ainda estejamos tão longe de alcançar a “igualdade, a liberdade e a fraternidade” por que alguns lutaram há séculos! É lamentável pensar que enquanto há tantas pessoas inteligentes lutando por um mundo melhor e mais digno sem conseguir que sua voz seja ouvida, uma pessoa com um pensamento tão mesquinho e carregado de preconceito possa fazer ouvir sua voz com tamanha clareza! Porém pior seria se eu me resignasse e me calasse diante de tamanha demonstração de falta de decência, e, sobretudo, de humanidade. Não me calo! Eu grito! Grito de indignação, revolta, protesto! Grito para que minha voz seja ouvida acima das palavras vazias de respeito, porém cheias de ignorância do deputado Bolsonaro. Grito porque não posso suportar o silêncio. Não me permito calar minha voz diante de tamanha vilania! Grito, sabendo que minha voz se une em coro às vozes de milhares de pessoas, que também se sentiram indignadas e ofendidas, e que se sentem no direito de protestar contra o preconceito, o ódio, e a intolerância. Não nos calemos! Não vamos aceitar o silêncio! Vamos fazer ouvir nossa voz! Como disse Martin Luther King, um dos maiores defensores dos direitos das minorias, morto pelo ódio racial antes de ver suas conquistas se efetivarem e renderem como fruto a eleição do primeiro presidente negro norte americano, “Nossas vidas começam a morrer no dia em que calamos coisas que são verdadeiramente importantes.”. Não queremos o silêncio! Gritemos! E que nosso grito seja de liberdade, respeito e sobretudo, humanidade! Gritemos, e quem sabe assim possamos calar a voz de quem nada tem a dizer...

sexta-feira, 25 de março de 2011

As folhas em branco


Gosto de coisas novas, coisas brilhantes e recém-prontas, as novidades me excitam... Novas idéias, novos hábitos, novos passatempos... Em compensação, tenho uma certa repulsa pelo velho, pelo gasto, pelo usado... Talvez por isso eu tenha tanta aversão à ideia da velhice, mas suporte relativamente bem a ideia da morte. Crendo, como eu creio, na reencarnação, a morte abre uma possibilidade de uma nova vida, com cheirinho de nova, brilhante de nova, uma nova vida pra fazer tudo de novo. Lembro que, quando criança, adorava desenhar, e gastava resmas de papel fazendo rabiscos, cada folha um novo desenho, de novo, de novo, de novo... Minha mãe, muito prática, observou as implicações de tanta ostentação, e me apresentou a um calhamaço de folhas que ela chamou “folhas de rascunho”. Eram papéis velhos, usados, gastos, com um lado impresso e apenas um lado da folha em branco para que eu pudesse fazer meus desenhos sem tanto desperdício. Juro que tentei, mas cada vez que eu pegava uma das “folhas de rascunho”, as marcas, as dobras, as letras sobre o papel me desanimavam, tiravam toda a vontade de continuar desenhando, de modo que eu voltava sempre às folhas impecavelmente brancas recém-tiradas do pacote... Minha resistência à velhice passa por aí: o que fazer desta imensa folha já gasta e rabiscada que serei eu?

Contudo, ainda espero. Porque, da mesma forma que aprendi, com o tempo, a desenhar em folhas de rascunho, a vida, tenho certeza, ainda há de ensinar como fazer belos desenhos nas folhas já gastas da vida...

Coração de papel

Adoro desenhar. Gosto de ver traços sobre o papel se desdobrarem em linhas e formas. De vez em quando desenho semi-consciente, deixo a mão correr solta pelo papel em branco, divagando, num processo, assim creio, semelhante à psicografia. Numa dessas, eu fiz um desenho que me chamou à atenção no minuto em que eu reparei nele. Era uma moça, olhos puxados, cabelos cacheados... Parecia comigo, mas não era eu. Era uma moça bonita e triste, com olhos tristes que pareciam nem olhar pra você, mas para algum lugar dentro de você... ou dentro dela mesma, quem sabe. Era uma moça muito triste, e sem notar eu parei de rabiscar e fiquei ali, fitando o rosto triste da moça no papel, tentando adivinhar as razões da melancolia dela, e pensando no que eu podia dizer para consolá-la, e aí eu percebi que estava preocupada com a tristeza de uma moça num papel, um desenho que eu fiz sem saber nem querer... Minha mente racional pensou: “Loucura! O mundo é imenso, tem guerras em todo lugar, milhões de pessoas morrendo de fome e você se preocupa com um desenho qualquer num papel! Francamente!”. Meu eu verdadeiro respondeu: “E daí? Por que não deveria me preocupar com a tristeza da moça de papel?” Ela era tão real quanto todo o resto do mundo. Eu senti que era... Ela era triste e era de verdade. Ela era eu. E até hoje eu tenho essa maldita mania de sentir compaixão de pessoas feitas de papel e tinta...

Sum

Sou a alma que foge e a fome que grassa
Sou a calma que explode, o desejo que mata
Sou o corpo que cai e a mente que salta
A metade que resta (a outra me falta)
Sou sentinela, janela e porta,
o sangue que flui, a ironia que corta...
Sou parada, sou porto, sou rio e estrada,
sou começo e sou fim, sou o tudo e o nada.

Megalomania

Quero estender os braços e alcançar o infinito!
Quero dar cor e forma aos recantos do universo!
Quero gritar acima dos montes,
e dançar balé no Himalaia!
Quero fazer um colar de contas com as estrelas do céu!

Eu quero tudo!
Sobretudo, quero que o mundo cresça,
para que ele possa me conter!

Sobre a angústia...

Há alguns dias eu ouvi uma pessoa querida dar voz à sua angústia dizendo: “Às vezes eu sinto que o mundo é tão pequeno, e eu sou tão grande dentro dele!”. Fez sentido para mim. É comum, quase corriqueiro, me sentir assim, dona de um eu que quase nem cabe nesse saco de ossos, carne, sangue... É como se eu dissesse, como o fez Drummond: “mundo, mundo, vasto mundo... mais vasto é o meu coração!”.

Dúvida

O amor bate na aorta...
Mas convém abrir a porta?
Matar a sede infinita,
a paixão insaciável,
o desejo incansável,
a loucura inconfessável?
E quando a paixão finda,
insistir no "ainda",
sofrer, gritar e morrer,
se recusar a esquecer...
(Mas coração se comporta?
Ele insiste que suporta!)
E se trouxer toda a dor?
Fazer o que? Se é amor...!
O amor bate na aorta...

Vou abrir!

A culpa é dos livros!


Todas as vezes que eu fico sonhando acordada, imaginando e vivendo aventuras, a culpa é dos livros, tenho certeza. Primeiro, foi aquela tal Sherazhade, que me convidou para passar 1001 noites na Arábia. Eu pensei "por que não?" Afinal, eu já tinha passado a maior parte do tempo com os irmãos Grimm, e com Hans Christian Andersen, vivendo histórias de fadas, então, que mal havia em mudar de ares, e trocar maçãs envenenadas por sementes de sésamo? Foi aí que começou o problema, eu acho. Depois disso, não havia convite que me fizessem que eu não aceitava de bom grado. Por exemplo, quando um tal Mark Twain me apresentou a Tom Sawyer e Huck Finn, lá estava eu, sonhando em fazer parte do bando! E que tal depois, quando me convidaram para uma viagem a bordo de um navio pirata? Io-ho, por que não? Tempos depois eu estava caçando tesouros com Jim Hawkings na Ilha do Tesouro. Tomei gosto pela vida no mar, e fui com Lemuel Gulliver a Liliput, a Broabdignag e outras terras ainda mais insólitas... Ainda embalada pelo espírito marinheiro eu viajei sob o comando de Um Capitão de Quinze Anos, atravessei Vinte Mil Léguas Submarinas com o Capitão Nemo, e depois, cacei o demônio branco Moby Dick com Ismael e o capitão Ahab. Já enjoada do mar voltei à terra, e resolvi explorar a África. Alan Quartermain foi meu guia na busca pelas Minas do Rei Salomão, e depois, no coração da cidade de Kor eu conheci os Ammahagger e sua imperiosa rainha, minha xará Ayesha. Cheia da África, resolvi passar uma temporada selvagem na Índia, com os lobos, mas tive que fugir correndo por causa de Shere Khan. Foi por pouco! Era tempo de tornar à civilização, e resolvi passar um tempo no Morro dos Ventos Uivantes, onde conheci Heathcliff, por quem me apaixonei. Mas o coração de Heathcliff já pertencia à Catherine. Ademais, não dá muito certo namorar homens feitos de papel e tinta. Resolvi curar minhas mágoas em Portugal, mas eis que conheço o Amor de Perdição de Simão e Tereza. Arrasada com o fim triste da história, voltei ao Brasil, mas por aqui também andavam Peri e Cecília, Lúcia e Paulo... as histórias terminavam sempre de um jeito tão trágico que eu desisti de vez dos romances! Voltei às aventuras, e desta vez acompanhei Os Três Mosqueteiros, ou melhor, os quatro, e depois o Homem da Máscara de Ferro. Depois, foi a minha vez de ajudar na vingança do Conde de Monte Cristo, e na vendetta dos Irmãos Corsos. De volta aos ares de Paris, conheci o Corcunda de Notre Damme, e a cigana Esmeralda, e depois mendiguei na sarjeta com Jean Valjean e um bando de Miseráveis. Era tempo de voltar ao Brasil: eis que encontro Bento Santiago e sua amada Capitu dos olhos de Ressaca. A história não terminou bem, apesar dos meus esforços de convencer Dom Casmurro de que Capitu era inocente... (Será?) Daí eu tive vontade de viver aventuras épicas, e por isso fui à Terra Média e entrei para A Sociedade do Anel. A batalha contra Mordor foi difícil, mas não curou minha sede de aventuras. Voltei à Inglaterra, para ajudar Ivanhoe a recuperar sua honra. De passagem, conheci Os Cavaleiros da Távola Redonda! Ora bolas! Era tempo de conhecer novas aventuras, então caí numa toca de coelho e viajei Através do Espelho até o País das Maravilhas com Alice. Foi só voltar e lá estava eu, abrindo a porta de um guarda-roupas mágico e conhecendo Nárnia. Depois da queda de Jadis eu voltei ao... Saara? Minha nossa! Olha ali o Pequeno Príncipe, vindo do espaço, que ama uma rosa, e tem uma amiga raposa... "Chega!", eu disse, "chega de aventuras". Mas, mal eu disse isso e um tal Neil Gaiman jogava poeira do sonho nos meus olhos e me levava a conhecer portas secretas, mundos alternativos, seres perpétuos, deuses velhos e novos, estrelas caídas... E ainda me vem um tal Isaac Asimov e me mostra o futuro! Ora essa! Escritores são pessoas das mais malucas! Onde já se viu, mundos secretos, viagens extraordinárias, romances impossíveis... Escritores definitivamente são malucos, e se eu ficar maluca também, a culpa é deles, e de seus livros, com certeza. Se acontecer, juro que faço que nem Dom Quixote: visto minha armadura de Sonho, empunho minha lança de Fé, monto o Roncinante-Pensamento e vou me bater com os moinhos de vento da Realidade... Ah, se vou!


*publicado originalmente no Espaço Imaginário

Penetra surdamente no reino das palavras...



Cá estou eu, criando blogs como uma louca!

Este é meu terceiro blog, mesmo sabendo que o meu tempo-espaço é relativamente o mesmo de quando comecei a "bloggar" (e ele já era curto naquela época!). Porém eis-me aqui, e desta feita em um blog exclusivamente dedicado à arte de flertar com palavras. Quem me conhece há mais tempo sabe que eu já digo o que penso enquanto projeto num Espaço Imaginário, e nas horas vagas sirvo de guia turística em um roteiro pelas Novas Cidades Invisíveis. Com tanto espaço para falar sobre tudo (ou sobre nada), por que criar mais um blog? A razão é simples! Desde que aprendi a articular palavras em papel, tenho uma necessidade ferrenha de escrever. É uma questão de vida ou morte, de desespero ou deleite, sofrimento ou sublimação... Escrevo para saber que existo! Preciso de palavras como preciso de ar e água. Me considero uma criatura literária, e "lutar com palavras" faz parte de minha natureza desde que aprendi o poder que estas têm. E sendo, como sou, escrava dessas tiranas e esquivas coisinhas, decidi criar um blog inteiramente dedicado a elas. E eis que me coloco aqui na posição do poeta, que se vê diante das palavras inflexíveis como se diante da Esfinge, e ouve a terrível pergunta:

"Trouxeste a chave?"

P.S.: Que Drummond não me ouça, mas se eu não tiver a chave, ainda posso arrombar a porta...