"Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível, que lhe deres:

'Trouxeste a chave?'"

Carlos Drummond de Andrade

terça-feira, 29 de março de 2011

Não quero o silêncio!

Há algum tempo meu pai, escritor e poeta por vocação, mas não por profissão, escreveu um poema intitulado “Ao silêncio”, do qual destaco os seguintes versos:


“Não quero o silêncio culto e tácito

das bocas caladas pelo medo;

(...)

Não quero o silêncio assim imposto

como um tapa que arde no meu rosto!

(...)

Não quero a minha voz presa no peito

enquanto o mundo grita ao meu redor!

Eu quero decidir; é meu direito

e não lutar por ele é omissão!

(...)


Ontem, durante um quadro no programa CQC o deputado Jair Bolsonaro fez declarações de cunho homofóbico e racista, algumas das quais dirigidas à cantora Preta Gil, negra, mulher, e defensora dos direitos dos homossexuais. Não vi o quadro no momento, pois não acompanho o programa. Porém, devido à ampla reação dos internautas contra as declarações do deputado, assisti hoje ao vídeo disponibilizado na internet (que já teve milhares de acessos). O que posso dizer é que me senti ofendida, enojada e indignada pelo que só posso chamar de uma falta de respeito, moral, decoro e cidadania. Sou afro-descendente, filha de mãe negra, e como tal me senti pessoalmente ultrajada pelas declarações racistas de Bolsonaro. Como e porque um negro e cotista não teria condições de pilotar um avião, ou realizar uma cirurgia, senhor Bolsonaro? Acaso a cor da pele, característica definida por uma meia dúzia de genes, pode qualificar ou desqualificar uma pessoa para exercer qualquer tipo de atividade? Sinto-me ofendida pessoalmente, em nome de minha mãe, negra, de meus avós, negros, em nome de minha família, todos negros! Sinto-me ofendida em nome dos meus antepassados, que sofreram as agruras da escravidão, que sentiram o peso do chicote estalando em suas costas apenas por serem negros, e que depois de livres tiveram que amargar séculos de pobreza e desigualdade. Senti-me ofendida em meu sangue, e em minha alma! Senti-me ofendida pelas declarações homofóbicas, pelo desprezo demonstrado pelo senhor, deputado, pelos homossexuais. Não sou homossexual, mas sou humana! E como ser humano, luto pela causa de um mundo sem preconceitos, sem juízos de valor, onde as pessoas se sintam iguais e livres. Em nome da causa da igualdade entre os homens, me sinto ofendida pela falta de respeito e decência demonstrada pelo deputado, ao promover publicamente o ódio aos homossexuais, e o desrespeito aos negros, quando, como figura política, deveria representar o povo como um todo! Sinto-me ofendida como afro-descendente, como militante pelos direitos dos homossexuais e principalmente como ser humano! As palavras de Bolsonaro vieram carregadas de racismo, homofobia, desrespeito e ódio. É lamentável pensar que depois de tantos séculos de preconceito, de perseguição, de injustiça e segregação, tenhamos caminhado tão pouco! É lamentável pensar que ainda estejamos tão longe de alcançar a “igualdade, a liberdade e a fraternidade” por que alguns lutaram há séculos! É lamentável pensar que enquanto há tantas pessoas inteligentes lutando por um mundo melhor e mais digno sem conseguir que sua voz seja ouvida, uma pessoa com um pensamento tão mesquinho e carregado de preconceito possa fazer ouvir sua voz com tamanha clareza! Porém pior seria se eu me resignasse e me calasse diante de tamanha demonstração de falta de decência, e, sobretudo, de humanidade. Não me calo! Eu grito! Grito de indignação, revolta, protesto! Grito para que minha voz seja ouvida acima das palavras vazias de respeito, porém cheias de ignorância do deputado Bolsonaro. Grito porque não posso suportar o silêncio. Não me permito calar minha voz diante de tamanha vilania! Grito, sabendo que minha voz se une em coro às vozes de milhares de pessoas, que também se sentiram indignadas e ofendidas, e que se sentem no direito de protestar contra o preconceito, o ódio, e a intolerância. Não nos calemos! Não vamos aceitar o silêncio! Vamos fazer ouvir nossa voz! Como disse Martin Luther King, um dos maiores defensores dos direitos das minorias, morto pelo ódio racial antes de ver suas conquistas se efetivarem e renderem como fruto a eleição do primeiro presidente negro norte americano, “Nossas vidas começam a morrer no dia em que calamos coisas que são verdadeiramente importantes.”. Não queremos o silêncio! Gritemos! E que nosso grito seja de liberdade, respeito e sobretudo, humanidade! Gritemos, e quem sabe assim possamos calar a voz de quem nada tem a dizer...

Nenhum comentário:

Postar um comentário