"Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível, que lhe deres:

'Trouxeste a chave?'"

Carlos Drummond de Andrade

sexta-feira, 25 de março de 2011

Coração de papel

Adoro desenhar. Gosto de ver traços sobre o papel se desdobrarem em linhas e formas. De vez em quando desenho semi-consciente, deixo a mão correr solta pelo papel em branco, divagando, num processo, assim creio, semelhante à psicografia. Numa dessas, eu fiz um desenho que me chamou à atenção no minuto em que eu reparei nele. Era uma moça, olhos puxados, cabelos cacheados... Parecia comigo, mas não era eu. Era uma moça bonita e triste, com olhos tristes que pareciam nem olhar pra você, mas para algum lugar dentro de você... ou dentro dela mesma, quem sabe. Era uma moça muito triste, e sem notar eu parei de rabiscar e fiquei ali, fitando o rosto triste da moça no papel, tentando adivinhar as razões da melancolia dela, e pensando no que eu podia dizer para consolá-la, e aí eu percebi que estava preocupada com a tristeza de uma moça num papel, um desenho que eu fiz sem saber nem querer... Minha mente racional pensou: “Loucura! O mundo é imenso, tem guerras em todo lugar, milhões de pessoas morrendo de fome e você se preocupa com um desenho qualquer num papel! Francamente!”. Meu eu verdadeiro respondeu: “E daí? Por que não deveria me preocupar com a tristeza da moça de papel?” Ela era tão real quanto todo o resto do mundo. Eu senti que era... Ela era triste e era de verdade. Ela era eu. E até hoje eu tenho essa maldita mania de sentir compaixão de pessoas feitas de papel e tinta...

Nenhum comentário:

Postar um comentário